quarta-feira, 29 de julho de 2009

Salvador: área desapropriada pode ter shoppings - Terra - Política

Salvador: área desapropriada pode ter shoppings - Terra - Política

TERÇA, 28 DE JULHO DE 2009, 08H26  ATUALIZADA ÀS 17H25

Salvador: área desapropriada pode ter shoppings

Claudio Leal
Sem apresentar projeto para uma área de 324 mil metros quadrados, declarada de utilidade pública com o fim de desapropriação, a Prefeitura de Salvador deixou escapar fragmentos de seu plano para a orla da Baía de Todos os Santos. Uma das regiões mais belas da capital baiana, de perfil residencial, pode ser ocupada por "duas marinas, atracadouros, dois shoppings centers", além de um "parque hoteleiro para atender o trade turístico (sic)", como anunciou o portal da prefeitura.
- Não foi apresentado nenhum projeto, desfaz o secretário de Desenvolvimento Urbano de Salvador, Antonio Abreu: - Houve um erro da comunicação. Há apenas ideias, não existe projeto ainda. Só vai sair em outubro.
No dia 21 de julho, às 21h25, o "Portal Salvador" dilvulgou o encontro entre o vice-prefeito, Edvaldo Brito (ex-gestão Celso Pitta, em São Paulo), Antonio Abreu e a cantora Margareth Menezes, na sede da vice-prefeitura. Leitmotiv da confraternização, o projeto "Fábrica Cultural", de Margareth, pretende tirar crianças das ruas e busca um espaço na Cidade Baixa. Mas não foi o único assunto, segundo registrou a nota da assessoria de comunicação do prefeito.
"Durante o evento foi apresentado o prospecto de intervenções naquela área da Cidade Baixa, para o desenvolvimento urbanístico e o inicio das ações sociais. A Secretaria Municipal do Trabalho, Assistência Social e Direitos do Cidadão (Setad) informou que já foi feito o cadastro do número de pessoas que residem na Península de Itapagipe", diz a matéria oficial. Entre os únicos pontos voltados para a população, o esboço de área verde, praças, calçadão e ciclovia.
O trecho a ser desapropriado possui prédios tombados pelo patrimônio histórico e extensa faixa de casario secular. Entretanto, o decreto no Diário Oficial veio antes de um parecer do Iphan. Os moradores do bairro da Boa Viagem e de uma das primeiras vilas operárias do Brasil - da extinta fábrica Luiz Tarquínio (do séc. XIX) -, se mobilizam para resistir à anunciada parceria entre a prefeitura e a iniciativa privada. Desconfia-se da ingerência de grupos imobiliários e da construção civil na mordida territorial.
Após a canetada do prefeito João Henrique (PMDB), germinou-se um movimento para criar uma associação em defesa do recanto histórico. Cerca de 150 pessoas participaram de uma assembleia, na sexta-feira 24 de julho, e a associação será fundada no próximo sábado.
- É a institucionalização dessa luta contra o poder público, como uma forma de reagir e pedir explicações ao secretário, que nos ofendeu. Defendemos um pedido de retratação pública. Ele chamou isso aqui de "favela" e se referiu às casas como "coisas" - critica Orlando Valle, morador da Vila Operária.
Valle, um dos líderes do bairro, também critica o plano de demolição da fábrica de Luiz Tarquínio, defendido por Abreu em entrevista a Terra Magazine. "Aquele campo de futebol é emblemático. Você não conhece um itapagipano que não tenha jogado ali", arriscou o secretário, para quem o habitat dos boleiros amadores é mais importante que os resquícios arquitetônicos da industrialização na Bahia.
- Na Vila Operária, este é o segundo terror. Nasci vítima de outro terror. No governo de ACM, houve a construção da escola e o arquiteto foi mostrar a ele que um quarteirão impediria a visão da obra "monumental" - lembra Orlando Valle, que afirma ter visto na Prefeitura um projeto de condomínio de luxo na área em que residem moradores de classe média baixa.
(Em tempo: o conjunto de pequenos edifícios populares nem de longe se assemelha ao que se convencionou chamar de "favela").
O secretário Antonio Abreu garante que "não tem uma mercadoria para vender", nem projetos elaborados, mas confirma a intenção de construir hotéis, marinas e shoppings em faixas desapropriadas. Ele revela a Terra Magazine que a enseada próxima à tradicional Feira de São Joaquim, ao lado do prédio da Petrobras, pode abrigar uma das marinas. "Estamos estudando isso. Tenho conversado com o governo do Estado", relata Abreu, que cita a Conder (Companhia de Desenvolvimento Urbano da Bahia) e o secretário estadual Walter Pinheiro (Planejamento). Ele admite que ainda não tentou se reunir com os habitantes da Península de Itapagipe. "Sou procurado por instituições".
Opositora do decreto, a vereadora Vânia Galvão (PT) propôs uma audiência pública, em 4 de agosto, às 9h, na Câmara Municipal. Serão convidados Antonio Abreu, o Iphan, o secretário de Patrimônio da União, o Conselho Regional de Engenharia, o Instituto de Arquitetos, o Ministério Público e a Defensoria Pública. A lista não inclui o prefeito.
- Não conhecemos esse projeto. Primeiro, eu acho um equívoco imenso o prefeito (João Henrique) baixar o decreto, desapropriando a área, sem especificar o objeto. Isso é ilegal. Não ouviu a comunidade, nenhuma entidade, ninguém que represente aquela área - denuncia Vânia Galvão.
A vereadora desconhece a "parceria" com o governo do Estado e pretende solicitar informações. Em 13 de maio, o governador Jaques Wagner (PT) afirmou a Terra Magazine que não estava a par da ideia do prefeito para a Cidade Baixa e Itapagipe. "É muito estranho... é muito esquisito... Espero que não esteja ligado à especulação imobiliária", cogitou Wagner.
- São áreas que têm prédios tombados. Como não conhecemos o projeto, eu acho um equívoco discutir agora. Infelizmente nossa cidade, depois do PDDU (Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano), está privilegiando ações que venham beneficiar o grande capital imobiliário - afirma Vânia, líder do PT na Câmara.
Com o PDDU, cresceu a disputa de empreiteiras por faixas de terra à beira-mar. O setor imobiliário segue em expansão em Salvador, como se pode notar pelos fartos anúncios nos principais jornais da Bahia.
Orlando Valle garante que a audiência pública terá intensa participação da comunidade. Ele relata o desalento de velhos moradores, angustiados com o destino de suas casas, ante a ameaça de construção de shoppings, marinas, hotéis e outros "playgrounds" para classes bem aquinhoadas e turistas.
- A Prefeitura está completamente descomprometida com a comunidade e vem com a ameaça de desalojar milhares de pessoas e microempresários. A península de Itapagipe avança pra quarta maior baía do mundo, com mais de 50 ilhas. Desde 2007 está havendo uma mobilização do poder público para atrair o investimento privado internacional, com o mapeamento de todas as possibilidades de investimento. Isso passa por cima do Estatuto da Cidade, que prevê a participação popular - acusa Valle.
A liderança faz reservas à conduta pública do prefeito João Henrique - até agora preservado do imbróglio, sem dar entrevistas - e do secretário de Desenvolvimento Urbano. Valle sintetiza o pensamento dos moradores:
- É uma infelicidade ter um gestor desse nível. Está abalando a saúde psicológica de pessoas de idade. Vamos resistir. É bom ele saber que não está lidando com pessoas ingênuas.

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