domingo, 13 de maio de 2012

Pesquisa confirma que aumento de C02 inicia aquecimento - 13/05/2012

Folha.com - Ciência - Pesquisa confirma que aumento de C02 inicia aquecimento - 13/05/2012

13/05/2012 - 10h20

Pesquisa confirma que aumento de C02 inicia aquecimento

REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE "CIÊNCIA+SAÚDE"
Caiu um dos últimos bastiões dos que argumentam que a queima de combustíveis fósseis não aquece a Terra.
O problema, diziam os céticos, é que o CO2 liberado por essa queima não parecia ser o causador de mais calor no planeta em épocas geológicas anteriores. A ordem parecia ser inversa: primeiro a Terra esquentava e só depois a atmosfera recebia mais CO2.
"A aparente contradição tem a ver com a maneira como a neve se deposita", afirma o paleoclimatólogo Cristiano Chiessi, da USP.
Explica-se: os principais registros sobre o clima do passado vêm de cilindros de gelo obtidos na Antártida. Em lugares de neves eternas, essa "biblioteca" gelada alcança centenas de milênios.
A composição do gelo dá pistas sobre a temperatura na época em que a neve caiu, enquanto bolhas de ar presas na massa gelada indicam quanto CO2 havia no ar.
"O problema é que essas coisas acontecem em ritmo diferente. Quando a neve cai, ela fica muito tempo permeável ao ar acima dela. Demora para as bolhas se formarem", diz Chiessi.
Resultado: os modelos indicavam que o ar preso nas bolhas sempre é mais "novo" que o gelo ao lado. Assim, não dava para saber qual tinha sido a ordem dos acontecimentos, num verdadeiro problema de ovo e galinha.
Um artigo na revista "Nature" do mês passado, assinado por Jeremy Shakun, da Universidade Harvard, contornou isso unindo os dados da Antártida a outros registros pelo mundo. A pesquisa mostra que, no fim da última era glacial, a ordem foi mesmo mais CO2 primeiro e temperatura aumentada depois.
Detalhe importante: em cem anos, os níveis de CO2 atmosféricos aumentaram na mesma proporção que todo o incremento em 10 mil anos no fim da última fase glacial.
O que uma mudança dessas pode causar além de mais calor? Uma pista está num estudo coordenado por Maria Assunção da Silva Dias, também da USP, que viu um aumento de um terço na chuva da Grande São Paulo em menos de um século.
Boa parte disso tem a ver com fatores naturais e com o excesso de prédios da metrópole. "Mas a mudança lembra um ensaio do que se espera que venha no futuro, com mais eventos extremos", diz Silva Dias -como tempestades na estação seca, antes inexistentes, e mais temporais como um todo.

Apesar de incertezas, dados sobre aquecimento estão cada vez mais fortes

REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE "CIÊNCIA+SAÚDE"
Paulo Artaxo, físico da USP e membro do IPCC, o painel do clima da ONU, mostra o rascunho de um dos capítulos do próximo relatório do grupo, a ser lançado no ano que vem. O gráfico, uma estimativa da influência das nuvens e dos aerossóis (partículas em suspensão no ar) sobre o clima da Terra, pode parecer decepcionante para quem quer respostas prontas da ciência. Do último relatório do IPCC (de 2007) para cá, a incerteza sobre esse fator aumentou, em vez de cair.
Pesquisa confirma que aumento de CO2 inicia aquecimento
Cético fica sem "clima" para financiamento científico
Paradoxalmente, diz ele, isso se deu porque a ciência do clima melhorou, incorporando cada vez mais a complexidade da natureza em seus modelos computacionais, usados para prever como será a Terra do futuro.
O resultado desses avanços não deve fazer os céticos sobre o aquecimento global cantarem vitória. Incertezas à parte, é muito difícil abalar a alta probabilidade de que, ao longo deste século, o planeta vai esquentar mais alguns graus Celsius (algo entre 2º C e 5º C).
"Eu não acredito que isso seja um cenário de fim de mundo, mas as consequências sociais e econômicas vão ser sérias", sentencia Artaxo.
Ele e outros pesquisadores de destaque da área, ouvidos pela Folha, são unânimes em dar de ombros diante do recente mea culpa do britânico James Lovelock.
Editoria de Arte/Folhapress
GAIA E CIÊNCIA
Criador da célebre hipótese Gaia (que enxerga a Terra como um gigantesco ser vivo), ele causou barulho ao dizer, anos atrás, que o aquecimento global mataria bilhões de pessoas até 2100, confinando os poucos sobreviventes no Ártico.
No mês passado, ele se retratou, dizendo estranhar porque o planeta ainda não esquentou mais.
"Eu não sei se ele esperava um aquecimento maior, mas posso dizer que o aquecimento que de fato ocorreu [cerca de 1ºC] está perfeitamente de acordo com as previsões do IPCC", diz Artaxo.
"E note que em nenhum momento ele nega que o aquecimento esteja ocorrendo ou seja causado pela ação humana", completa Tercio Abrizzi, meteorologista do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP.
A temperatura global, neste começo de século 21, parece mais ou menos estacionada no nível mais quente alcançado no fim do século 20.
"É preciso lembrar, primeiro, que esses degraus são previstos nos modelos climáticos", diz Abrizzi. "E há excelentes trabalhos recentes mostrando que as camadas superficiais do oceano estão ficando mais quentes." É como se eles, temporariamente, funcionassem como um "amortecedor" do clima.
Outro possível amortecedor são os aerossóis, como as partículas de enxofre liberadas pela poluição industrial. Amargo paradoxo: tornar o ar das cidades mais respirável pode engatar a quinta marcha do aquecimento.
"Há inúmeros tipos de aerossóis e nuvens, que podem se comportar de um jeito no nível do mar, de outro a 1.000 m de altitude e de outro na estratosfera", diz Artaxo.
É por causa dessa complexidade que a incerteza dos modelos cresce. Mas, como a proverbial faca, ela corta dos dois lados: pode muito bem revelar um risco ainda maior da mudança climática.


Cético fica 'sem clima' para financiamento

GIULIANA MIRANDA
DE SÃO PAULO
Ser um cético do clima não é fácil no Brasil. As verbas de pesquisa são escassas, e é difícil publicar em revistas acadêmicas de prestígio.
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Pesquisa confirma que aumento de CO2 inicia aquecimento
A avaliação é de Ricardo Augusto Felício, professor do Departamento de Geografia da USP e uma das principais vozes no país entre os que negam o aquecimento global.
"Camada de ozônio? Esse negócio não existe", diz o professor, antes de afirmar que a presença do gás varia sazonalmente. Ou seja, os populares "buracos" não passariam de ficção.
É assim que ele começa uma palestra de duas horas para alunos do 1º ano do ensino médio do colégio Avicena, na Zona Sul da cidade.
Fábio Braga - 11.mai.12/Folhapress
O climatologista da USP Ricardo Augusto Felicio, 42, é um dos principais cientistas que negam a interferência das atividades humanas no processo de aquecimento global
O climatologista da USP Ricardo Augusto Felicio, 42, é um dos principais cientistas que negam a interferência das atividades humanas no processo de aquecimento global
A iniciativa de conversar com Felício partiu dos próprios estudantes, após assistirem a uma recente entrevista do cientista no "Programa do Jô", na Rede Globo.
De vez em quando, ele recebe grupos de estudantes interessados em saber o que seria a versão alternativa do ambiente. "É um trabalho de formiguinha", diz Felício.
O professor faz questão de avisar que há interesses políticos e econômicos por trás de conceitos científicos e de organizações como o IPCC.
"Vocês precisam saber: a ciência tem dono."
Quando uma aluna pergunta quem são esses donos, ele responde rapidamente: quem manda nos laboratórios são os mesmos que comandam o capital.
"Mas eu não sou marxista, nem ligado a nenhum partido político. É só uma constatação objetiva", disse.
"Eu já vou avisando aos meus alunos que eles vão ter de trabalhar. Aqui não vai ter bolsa", lamenta ele, que agora não quer mais "perder tempo" tentando financiamento, diz o autor do site "Fakeclimate".
Os pareceristas das revistas científicas também não costumam dar espaço para os céticos. "Eles são todos parte de um mesmo grupo. Nós acabamos tendo de publicar em revistas menores", diz Felício, que tem apenas três artigos originais em periódicos.
"Estou impressionada com tudo o que ele diz. Acho importante os alunos terem as duas versões", diz a coordenadora do colégio, Eliane Bonfim, que é bióloga.


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