quinta-feira, 28 de julho de 2011

Folha de S.Paulo - Kassab descumpre sua própria lei do clima - 27/07/2011

Folha de S.Paulo - Kassab descumpre sua própria lei do clima - 27/07/2011


São Paulo, quarta-feira, 27 de julho de 2011 
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Kassab descumpre sua própria lei do clima 

Cidade está longe das metas de reciclagem estabelecidas pelo prefeito na lei de Mudanças Climáticas, de 2009

Dos 96 ecopontos prometidos, há apenas 42 em funcionamento; cidade não recicla nem 1% do lixo que produz 

EDUARDO GERAQUE
DE SÃO PAULO 

A gestão do prefeito Gilberto Kassab (PSD) desrespeita a legislação ambiental que ela mesma criou há dois anos.
A lei de Mudanças Climáticas do município exigia que em junho de 2011 os 96 distritos da cidade tivessem pelo menos um ecoponto, local de entrega voluntária de pequenos volumes de entulho. E que a coleta seletiva virasse obrigatória em toda a cidade.
Na prática, nem uma coisa nem outra. Quem precisa jogar fora o entulho da reforma de um banheiro, por exemplo, nem sempre tem uma tarefa fácil. Há apenas 42 ecopontos em funcionamento.
Só as pequenas obras na capital devem produzir 12 mil toneladas de resíduos todos os dias. Deste total, apenas 5.200 chegam aos aterros oficiais do município. Existem ainda 1.500 pontos de depósitos ilegais de entulho espalhados por toda a capital paulista.
Além dos entulhos, os ecopontos recebem grandes objetos, como sofás, e também material para reciclagem.
No que se refere à coleta seletiva, a gestão Kassab também patina. Ela capta de forma voluntária apenas 155 toneladas diárias de resíduos para reaproveitamento.
Essa quantia representa menos de 1% das 17 mil toneladas de lixo produzidas diariamente em São Paulo.

SEM PLANEJAMENTO
"Essa política climática tem um lado positivo. Ela contou com a participação da sociedade civil na sua construção", diz Pedro Torres, coordenador da campanha de clima do Greenpeace.
A ONG participa do comitê intersetorial criado pela prefeitura paulistana para acompanhar as políticas públicas no setor ambiental.
"Não houve planejamento. As metas da lei eram muito ousadas. A dificuldade para cumpri-las é enorme", afirma o ambientalista. "Deveria ter ocorrido um escalonamento [de metas] maior."
Os objetivos listados para a questão do lixo são apenas alguns dos inseridos na política de clima de Kassab.
A grande meta desta legislação é fazer com que as emissões de gases de efeito estufa em São Paulo baixem em 30% até o ano que vem.
A importância desta redução tem tanto desdobramentos locais -com a poluição menor, a saúde melhora- quanto globais -o planeta, na média, aquecerá menos.
A prefeitura, no entanto, deve ter dificuldades em alcançar seus objetivos.
"Será muito difícil reduzir as emissões em 30%. A não ser que ocorra uma revolução. O grande vilão da cidade é o transporte", afirma Torres, do Greenpeace.
O atual secretário de Meio Ambiente da gestão Kassab, Eduardo Jorge (PV), disse, na época em que a lei passou a valer, em 2009, que as metas eram ousadas, "porém factíveis" de serem cumpridas.

OUTRO LADO

Já há grandes avanços, diz a prefeitura

DE SÃO PAULO 

A Prefeitura de São Paulo afirma que está "implantando" 37 ecopontos. A gestão Gilberto Kassab, porém, ainda não definiu um prazo para a conclusão deste processo. Quando essa fase estiver pronta, haverá 79 locais de coleta de entulho na cidade, e não os 96 (um por distrito) como manda a lei do clima.
Sobre a coleta seletiva, existem "grandes avanços", segundo a prefeitura, desde 2003, quando o programa passou a ser implementado.
O volume de material coletado, segundo os dados oficiais, aumentou oito vezes em oito anos. Dos 96 distritos da cidade, 75 são atendidos hoje pela coleta seletiva, diz.
Diversas ações estão em curso, segundo a nota da prefeitura, com o objetivo de reduzir em 30% a emissão de gases de efeito estufa.
Além da inspeção veicular obrigatória, a prefeitura diz que circulam na cidade 1.280 ônibus movidos a combustíveis mais limpos. Eles rodam com um pouco de biodiesel no tanque, ou com etanol. A frota que roda na capital, entre veículos de empresas e as lotações dos antigos perueiros, tem 14 mil ônibus.
A gestão Kassab também aponta a captação de gás dos aterros São João (zona leste) e Bandeirantes (zona norte) com importantes instrumentos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Com esta redução de poluição, a prefeitura pode vender créditos verdes no exterior. Até hoje, R$ 70 milhões entraram para os cofres públicos nestas operações.

Veja os endereços dos ecopontos em São Paulo
folha.com.br/ct950143


ANÁLISE 

Frota de veículos e áreas de risco ainda são parte do desafio

SEM MUDANÇAS COMO RETIRADA DE ÁREAS DE RISCO E REDUÇÃO DA FROTA, AÇÕES SÃO SÓ PALIATIVAS
CARLOS RITTL
ESPECIAL PARA A FOLHA 

Em 2009, a cidade de São Paulo instituiu por lei sua Política de Mudança do Clima. Definiu-se uma série de medidas de grande relevância para que a cidade possa enfrentar o desafio das alterações no clima da Terra e também contribuir com os esforços globais de redução de emissões de gases de efeito estufa.
Estabeleceu-se uma meta ousada de redução de emissões de gases de efeito estufa (30% em 2012 em relação às emissões em 2005).
Foram definidas linhas de ação para tal redução, como em transporte (substituição de combustíveis, privilégio a transporte coletivo, expansão de ciclovias) e gerenciamento de resíduos sólidos urbanos (reciclagem de lixo e geração de energia em aterros sanitários), principais fontes de emissões locais.
Além disso, a lei também criou caminhos para que a dimensão climática seja incorporada às políticas públicas, algo fundamental para reduzir a vulnerabilidade da cidade e da população a enchentes, deslizamentos, secas -cada vez mais intensas e frequentes.
Medidas estruturais iniciais e ações importantes estão em curso em São Paulo. No entanto, cerca de 700 veículos ainda são emplacados diariamente, áreas de risco (encostas, áreas de mananciais de água) continuam a ser ocupadas e milhares de toneladas de resíduos sem gerenciamento adequado são geradas a cada dia na capital paulista.
Portanto, a cidade precisa aprofundar suas ações. Sem transformações profundas, como a retirada total de pessoas de áreas de risco no município e redução drástica da frota de veículos em circulação diária, as ações em curso na cidade podem tornar-se paliativas frente ao imenso desafio das mudanças climáticas.

CARLOS RITTL é coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil 

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